sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Atormentava-lhe o coração a doçura daquele dia. Sabia que não seria assim por todo o tempo. Esperava o grande temporal da sua vida. Todo o tesouro que havia em si fora desfeito. Convertera-se apenas em dor. Tudo passava, apenas ele permanecia em sua miséria. Não conhecera o amor. Apenas, dele, fragmentos. Procurou-o em todos os espaços e apenas obteve desconsolo. Não conheceu a vida.Teve medo de perder-se entre os mares a ele oferecidos. Caiu em amargura quando os sonhos ainda poderiam ser realizados. Sentiu o odor da felicidade, todavia, dele se afastou. Escreveu cartas para si mesmo. Fez amizade com os papéis e esqueceu dos homens. Conquistou espaços de papel e tinta. Perdeu espaço nos corações. Seus frios terrenos não plantavam sentimentos ou acções. Apenas conheceu a solidão. Sonhou e não realizou. Suas mãos não tocaram o absoluto dos dias. Não teve a chance de refazer-se. Esperou cair do céu as oportunidades quando elas são construídas com as próprias mãos. Fabricou dor e ódio percorrendo passados que não eram seus. Viveu dos passados de outrem. Tentou substituir-se e refazer-se a cada segundo como espaço dos outros. Não conheceu a sua própria história. Teve medo de contar a sua própria vida sem muito interesse e a narrou como não sendo sua. Escreveu tantas folhas de papel... Perdeu o sentido de viver. Ganhou formas de narrar. Tantas histórias sem sentido construiu: só ele sabia cada palavra por valor. O discurso era objecto de uma prática sentida na carne. O poder de fazer conhecer-se era reflectir sobre o seu próprio ser como semente sempre lançada à terra buscando renascer. Seria necessário morrer para renascer frondoso. Nunca teve sorte com a terra semeada. Inculta a terra; estéril a semente. Jamais haveria vida destas receitas. Pensou o problema como sendo dele: ele era problema. Não possuía nada em si. Inútil, não servia. Uniu-se a si mesmo e concebeu-se como resto daquilo que ficara: ele era apenas sobra incerta de um sonho mal sonhado. Sua finita estrada findou sob seus pés. Ele se terminou e procurou novo início: não soube como recomeçar.