domingo, 21 de abril de 2013


Já apareciam as estrelas no firmamento. O sol já havia se recolhido, como de costume. A lua aparecia. Ainda não era tarde. Como todos os dias, o telefone tocara. O som era o mesmo, o momento o mesmo, a casa a mesma. Só o semblante de meu pai não era igual. Frustrava-lhe a impossibilidade de si mesmo. De pronto, vieram logo todas as notícias mais frustrantes ao pensamento. Aquela mais improvável era faca a perfurar.
            Eu, em mim mesmo, punha-me a recordar uns pensamentos poucos e vagos. Mais atordoados que de costume, meus olhos vibravam tal os de um louco. O coração inquieto, não se percebia. Doía. Doía por ela não mais recordar de mim na última vez que nos vimos e mesmo assim, saber que era o neto “mais bonito”, mesmo que eu negasse – e continue a negar – da forma de sempre. E, a notícia dizia que ela não estava mais comigo, aqui.
            Quente, ainda à boca transpassava o sabor amargo. Não compreendia bem o que deveria ser a vida como posta em proposições a tudo. Era apenas uma gota derramada, supostamente, alma.
            Atordoado, segui para vê-la. Vi aquela boca aberta e sem vida. Ainda, a mesa posta a esperava. O prato, pão, talheres, chá preto. Não havia mais aquele ar senhorial. Não havia mais a vida carregada de Amazonas, Trapiche, Utinga. Hoje, não mais “Amazonas está sorrindo em alegria de festa”.
            Tudo se morria numa noite, véspera da sexta-feira da paixão. Tal qual Cristo, entregou-se na profecia de Isaías, e calada, como ovelha ao matadouro, sem algum balido, era desfeita em sacrifício. Completou em sua carne, a parte, que dela, faltara na cruz. Se já julgada pelo amor, que ao perguntar-lhe quando o dera de comer, vestir, visitar... Ela nem sabia que era Ele...
Partia minha avó, naquela quinta-feira da paixão, deixando-me um coração cheio de mistérios e lembranças, que, aos seus pés, eu menino, escutei. Foi aos seus pés, junto de uma cadeira de balanço, na rua desembargador Martins Pereira, vovó, que, primeiro, escutei falar de engenho. Aprendi com a senhora o que sei sobre aquilo. O ronco do carro do padre Mello, as Ligas Camponesas, Francisco Julião... ouvi de você, primeiro.  A Universidade só fez colocar aquele ar seco nas páginas – que ditas na sua linguagem de menina de engenho era muito mais atraente - e mudar minha forma de falar disso, pros meus alunos. Perpetuo em minha voz, o que você me ensinou...  Do que aprendi a contar história, foi com você... Mas é sua voz que ainda ecoa na minha alma... E amanhã, quando eu subir aquela rampa, pensando em tanta coisa, espero que a senhora, daí, da janela da casa do Pai, me ajude a contar as mesmas histórias, como se eu estivesse sentado, junto às almofadas, no chão... 

domingo, 16 de dezembro de 2012


Ele se percebia atrelado a um pouco de café. O vaso era pequeno em tanta angústia contida para único ser vivente. Para que se corram rios, são necessárias gotas minúsculas de água corrente: não é bastante, ao pensamento, mais que uma dose do adubo divino. O líquido negro, quente, adentrava, aos goles, a garganta e os sonhos: cansados, úmidos, desfeitos, presos, dissimulados. Não buscava outra coisa senão as próprias sensações desfeitas no último passo perdido numa noite qualquer, anterior à sua sublime divagação hodierna. Não passava mais que o tempo do amargor da bebida à boca. Negras a xícara, a miséria, as lembranças.
         Ela passara, lentamente, observando o olhar quase sagrado daquele homem semi-inerte. Os únicos movimentos eram o da xícara à boca. Não imaginava ela que os pensamentos do senhor iam muito além dos goles. Que os tremores da destra refletiam as dores contidas na alma. Lições de amor profano imbricadas ao amor divino perpassavam todas as constelações abatidas pela luz da manhã que poderia vir depois daquele pedaço ansioso de tempo. Sabia que não seria vítima do homem. Nem dos seus pensamentos. Apenas o observava por ser incomum a tudo quanto já presenciara. Sabia da sua inconstância de paz e do desespero da alma: o movimento brusco de xícara-boca revelava muito do que pesava nos olhos.
         Café amargo, sem açúcar. Não havia necessidade do doce. O vento já não balançava o verde pendão atado a terra. O forte brilho da luz refletida sobre as folhas da cana de açúcar já não mais era visto. Nem os sonhos traziam a marca do amor doce feito no canavial, escondido da matriarca e do patriarca, além da família da jovem moça que corria tal qual louca medrosa de ser pega pelos capachos do pai. Tudo era comum, posto não escaparem todas jovens moças da guarda peleja do ex-jovem então ancião.  A grama verde, dos sonhos antigos, já não preenchia os espaços ocultos da visão que, no passado, fora eterna. É que a eternidade dura o espaço de tempo que lhe é necessário para um novo e perene início.
         Chovia. Não era tarde, todavia, nem tão cedo. Fazia-se manhã. Uma como tantas outras comuns, para alguns; incomuns, para tantos outros. Passavam os mais variados tipos à frente do café. Um jovem apressado esquecera os pensamentos e seguia a jornada. A moça lenta corria em pensamentos que não refletiam os passos. O tempo era causa e conseqüência de quem o sofria. Por hoje, o tempo não se passa, se gasta, da forma como tenha dito algum historiador inglês do século XX. Uns não olhavam os outros. O tempo, lá fora, era uma gota de sangue derramada na inércia necessária ao homem do café.
         Não parecia que esperasse alguém. Deveria estar aguardando as novas fazes de si mesmo, numa angústia superior ao trato das suas breves idéias, carcomidas e lavadas pela chuva que não lhe atingia. E tudo era verdadeiro. Nessa hora, o odor do canavial molhado voltava ao pensamento como ave de rapina, tentando devorar a carniça já apodrecida. Mas fazia tanto tempo, e estava tudo tão imóvel, que talvez não houvesse apodrecido, no entanto, curtido na memória.

domingo, 1 de julho de 2012

E pelas partidas fui entendendo as chegadas. Partes constantes e contidas na alma. Pelas pegadas pisadas juntas, matamos as mesmas terras. Fomos e somos assim, partes integrantes e contidas de cada um num todo mágico e desconexo de nossas imagens. E se o meio é oceano, meus olhos formam, assim, poços de saudade. E se as correntes forem tantas, e tuas partidas eternas, minha alma permanecerá junto a tua, sem espaço ou tempo determinado. E fui desconhecendo meu futuro já tão certo, que se fez incerto dentro das perspectivas do meu olhar. Se me assombrara o presente, quanto mais me desespera o futuro. E se teus olhos permanecerem mar, não apagues da vista minha visão. Se uma gota cair dos teus limites, limite-me a desconhecer a minha dor. Desfaça meu tempo em correntes de alívios e minhas dores  não mais, tanto, pesarão. E não deixeis a morte aos nossos passos. Caminhemos na distância e sempre juntos. Teu mar não apagará meu passos, e muito menos meus poços apagarão teu mar. É que entendi a precisão de apenas uma gota, para que todos os sonhos sejam dissolvidos. Que não dissolvamos.

sábado, 25 de dezembro de 2010

E eu te pensei eternidade. Parte integrante de mim, contida no mais profundo de minha alma. Observei o céu escuro como se observa o dia, e nada ocultava à minha visão a clareza de nosso olhar. Ao pensar tua partida, eu calava e assombrava meus olhos, que foram seus... Nada era apenas meu... E eu andava atado às suas mãos, à sua alma, aos seus passos... Cada pegada uma marca. Cada olhar um encontro... As chegadas eram tantas que as partidas dissolviam-se nas lágrimas de um adeus curto,breve... na certeza de que amanhã tudo retornaria... Era bom quando eu ficava de longe te observando e você nem sabia que eu olhava e guardava... Ultimamente, aprendi que o amor é parte solúvel da alma... e a solidão é forma insistente e perene... Descobri que meu assombro era verdadeiro... Você partiu e deixou minha alma em chamas de amor e dor. E é por amar que sofro... Minha nau partiu liberta... como queira... fiquei aprisionado...

sábado, 23 de outubro de 2010

Estava só quando chegara a noite. A chuva não parava de amedrontar os sonhos contidos no fundo da alma desértica. A escuridão tomava conta da hora e da vida. Duvidava entre a partida e a chegada. A embarcação posta, pronta, estava para qualquer segundo: era tomar dos remos e ir-se. Não esperava o dia pelas horas já tardadas de um inverno sem fim. Não partia com pena de si mesmo. Revelava-se paupérrimo de ânimo e rico da miséria de ser. Não compreendia a essência de cada um. O que mais lhe causava dor era o individualismo contido e os medos da partida daquele olhar. Seu tempo era outro. Tudo se fazia diverso e as dúvidas, múltiplas. O espanto maior vinha por parte de um passado mais que presente, insistente em reaparecer nos tempos menos pertinentes. Na realidade, o outrem era o seu eu eterno. Laço marcado num tempo dissolvido e tragado aos poucos. Dissolvido e feito veneno contra si. Não há nada pior que o passado de outrem envenenar a alma. Não foram poucos os dias. O tempo é cruel com seus ministros. Mata-lhes a vontade e a certeza de ir-se. Quem vive do passado dos outros, sabe da presença eterna das obras de Clio. Sendo sacerdote, aprendeu a narrar o pôr do sol em sua própria imagem. Dissolveu o passado em caudaloso rio que todo o levou à imensidão do mar, sobrando dele os restos. Mas, a lança a ferir o peito era o eterno contínuo contido e acorrentado na alma de outrem...
Quando o sol insistia em apagar os últimos raios, a lua o observava do seu trono. As estrelas mais apressadas despontavam entre as poucas nuvens daquele dia. As mais preguiçosas só apareceriam com a escuridão. Tão escura estava a sua alma. Talvez o tempo soubesse remover tudo aquilo presente no coração. Não era apenas medo. O temor da perda era, e ainda o é, intenso. Não é pelo presente que punha seu jogo em valia. É por um passado perene que não se dissolve: não nele; em outrem. Pelos dias vividos de então, pode assegurar: mais felizes e intensos que os presentes. Na sua mansidão e inércia, não sabe o que é a vontade de ser. O vindouro é sempre temeroso. Seu medo é essa vontade de passado, que traz além de todas as imagens, a perpetuação dos sonhos e planos. Saudade vem e aperta a alma de tal modo que vem com a emoção. Sonha sempre com a sua alma cansada, atropelada pelas angústias de um passado tão presente, que não é seu. Basta reconhecer: tudo pode voltar. Assim, perde seu barco e a visão de si. Joga os remos ao mar. Navega num pequeno barco na busca incessante do desespero. As estrelas mais tímidas já se recolheram. O sol tardou o brilho e retardou a alma. Que o dia novo não o traga mais temor. Os últimos passados: medo, dor e desespero. Os planos: não te perder.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Era já tarde da noite quando ele, de súbito, abriu a porta. Aquele vento frio percorria toda a sala escura a qual adentrara. Não mais escutava os uivos do mar... Havia deixado a beira da praia, dado as mãos a alguém que prometera o céu. Juntando ao seu mar o firmamento, tudo estaria completo: promessa de sonho. Compreendeu que as verdades ditas são as menos secretas: o coração é quem guarda as verdades não ditas e consome toda a lentidão do que nunca virá. Olhou nos olhos de quem roubara seu mar, com os olhos plenos de angústia. Calou-se. Logo após, murmurou, baixinho: quando você disse que iria estar comigo, eu acreditei. Viver essa solidão acompanhada não é o meu desejo. Não quero você vivendo em nau que navega paralela a minha, mas na minha. Quero viver contigo tua vida.... pegar tua mão... Olha ao menos nos meus olhos e vê tudo o que sinto num coração que já não se encontra. Apenas apresenta ferida aberta, sangrando. Prometeu curar minha alma, e abriu fenda. Pensei que você fosse estar comigo... Eu sou o nada de tua vida? Os restos? O que sobra é meu? Se era pra que eu vivesse só, me dizia... Não faço a tua felicidade... Depois disso tudo, ele partiu... Nunca mais foi visto o seu olhar. As águas do mar apagaram as suas últimas pegadas. Dos sonhos, nem o pó.