Já apareciam as
estrelas no firmamento. O sol já havia se recolhido, como de costume. A lua
aparecia. Ainda não era tarde. Como todos os dias, o telefone tocara. O som era
o mesmo, o momento o mesmo, a casa a mesma. Só o semblante de meu pai não era
igual. Frustrava-lhe a impossibilidade de si mesmo. De pronto, vieram logo
todas as notícias mais frustrantes ao pensamento. Aquela mais improvável era
faca a perfurar.
Eu, em mim mesmo, punha-me a
recordar uns pensamentos poucos e vagos. Mais atordoados que de costume, meus
olhos vibravam tal os de um louco. O coração inquieto, não se percebia. Doía. Doía
por ela não mais recordar de mim na última vez que nos vimos e mesmo assim,
saber que era o neto “mais bonito”, mesmo que eu negasse – e continue a negar –
da forma de sempre. E, a notícia dizia que ela não estava mais comigo, aqui.
Quente, ainda à boca transpassava o
sabor amargo. Não compreendia bem o que deveria ser a vida como posta em
proposições a tudo. Era apenas uma gota derramada, supostamente, alma.
Atordoado, segui para vê-la. Vi
aquela boca aberta e sem vida. Ainda, a mesa posta a esperava. O prato, pão,
talheres, chá preto. Não havia mais aquele ar senhorial. Não havia mais a vida
carregada de Amazonas, Trapiche, Utinga. Hoje, não mais “Amazonas está sorrindo
em alegria de festa”.
Tudo se morria numa noite, véspera
da sexta-feira da paixão. Tal qual Cristo, entregou-se na profecia de Isaías, e
calada, como ovelha ao matadouro, sem algum balido, era desfeita em sacrifício. Completou
em sua carne, a parte, que dela, faltara na cruz. Se já julgada pelo amor, que
ao perguntar-lhe quando o dera de comer, vestir, visitar... Ela nem sabia que
era Ele...
Partia minha avó, naquela quinta-feira da paixão, deixando-me um coração
cheio de mistérios e lembranças, que, aos seus pés, eu menino, escutei. Foi aos
seus pés, junto de uma cadeira de balanço, na rua desembargador Martins
Pereira, vovó, que, primeiro, escutei falar de engenho. Aprendi com a senhora o
que sei sobre aquilo. O ronco do carro do padre Mello, as Ligas Camponesas,
Francisco Julião... ouvi de você, primeiro. A Universidade só fez colocar aquele ar seco
nas páginas – que ditas na sua linguagem de menina de engenho era muito mais
atraente - e mudar minha forma de falar disso, pros meus alunos. Perpetuo em
minha voz, o que você me ensinou... Do
que aprendi a contar história, foi com você... Mas é sua voz que ainda ecoa na
minha alma... E amanhã, quando eu subir aquela rampa, pensando em tanta coisa,
espero que a senhora, daí, da janela da casa do Pai, me ajude a contar as
mesmas histórias, como se eu estivesse sentado, junto às almofadas, no chão...