sábado, 23 de outubro de 2010

Estava só quando chegara a noite. A chuva não parava de amedrontar os sonhos contidos no fundo da alma desértica. A escuridão tomava conta da hora e da vida. Duvidava entre a partida e a chegada. A embarcação posta, pronta, estava para qualquer segundo: era tomar dos remos e ir-se. Não esperava o dia pelas horas já tardadas de um inverno sem fim. Não partia com pena de si mesmo. Revelava-se paupérrimo de ânimo e rico da miséria de ser. Não compreendia a essência de cada um. O que mais lhe causava dor era o individualismo contido e os medos da partida daquele olhar. Seu tempo era outro. Tudo se fazia diverso e as dúvidas, múltiplas. O espanto maior vinha por parte de um passado mais que presente, insistente em reaparecer nos tempos menos pertinentes. Na realidade, o outrem era o seu eu eterno. Laço marcado num tempo dissolvido e tragado aos poucos. Dissolvido e feito veneno contra si. Não há nada pior que o passado de outrem envenenar a alma. Não foram poucos os dias. O tempo é cruel com seus ministros. Mata-lhes a vontade e a certeza de ir-se. Quem vive do passado dos outros, sabe da presença eterna das obras de Clio. Sendo sacerdote, aprendeu a narrar o pôr do sol em sua própria imagem. Dissolveu o passado em caudaloso rio que todo o levou à imensidão do mar, sobrando dele os restos. Mas, a lança a ferir o peito era o eterno contínuo contido e acorrentado na alma de outrem...