quarta-feira, 2 de junho de 2010

Todos os livros, dispostos nessa estante, que por hora vês, são páginas lidas, marcadas e não vividas. Ali estão as viagens que não fiz, as pessoas com quem não estive e muitos momentos de solidão. Alguns lembram tempos antigos, inebriados de cólera. Outros, recordam paixão, paixões: algumas já adormecidas no espaço mais profundo e inabitável da alma. As paixões latentes ainda vibram nas mais diversas páginas ali recolhidas. Nenhuma conta a minha história. São histórias diversas, de outros, narradas e vividas em tempos remotos. Se desses mais de 300 volumes, um tivesse saído da minha pena, já valeria toda uma vida. Lembrar as páginas escritas por outros e tomá-las como suas. As imagens são formas de conceber a inércia contida de cada homem. Escrever e apagar é ato de heroísmo. Desde que comecei a escrever as minhas páginas, apenas sinto dor e desespero. É muito mais que parto: é aborto. Escolhe, recorta, copia, esquece, cola. O caminho longo, doloroso e discreto que passa dos olhos para a cabeça, da cabeça para as mãos e das mãos para o papel, é martírio. Cada palavra posta é uma gota de sangue derramada. Se agora observamos todos esses volumes, quantas gotas de sangue aqui não temos? Mas minhas vida é de pouco escrever. É mais fácil narrar a vida de outrem que a própria vida. Contudo, escrever biografia é uma forma letal de se viver. Dar nova forma ao que um dia foi, é matar espaços e constâncias do que eu não pude ver. Minha vida eu não a escrevo. Não tenho nada o que te contar. Tudo o que calquei nesse breve caminho, foram algumas páginas lidas, outras transcritas e citadas. Quando da juventude, escrevi alguns cadernos, os quais, entreguei a pessoas que amei. Contudo, nada foi meu. Recordo-me um amigo que me disse: deixa de conquistar folhas de papel, vai conquistar corações! Nunca dei ouvidos aquele amigo bem mais velho. Conquistei tantas páginas e poucos, bem poucos corações. Alguns foram conquistas de mentira, brincadeiras que me fizeram. Outros foram territórios perdidos em bravas guerras. Como não sou muito de luta em violência, deixei-lhes partir. Cada um sabe de si. Cada um sabe até onde pode e deve ir a sua liberdade. Nunca sonhei com correntes atadas ao meu coração, todavia, sempre busquei companhias ao meu lado. Livres, mas sabendo respeitar os passos seguros de cada coração. A liberdade é posse das tuas mãos. Nessa vida de pensar mais nos outros do que e mim, perdi minha nau. Não tenho pressa nem virtude de conquistador de espaços. No entanto, quando tentei te conquistar, era para estares comigo, na minha embarcação, e não no infinito do mar. Assim perco a terra, o mar e a visão de mim. Conquistei muitas páginas, mas não soube conquistar tua alma e teu coração. Escreverei tantas páginas quantas forem necessárias. Direi da derrota de minha nau liberta e das fugas apedrejadas de minha alma. Não falarei em explícito, todavia, entenderás. Cada página, uma nova conquista. E essa vida de escrever biografias, é mais letal que se imagina...